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FÁSCIA E RESPIRAÇÃO: uma teia conectiva de tempos e gestos

Atualizado: 6 de set. de 2021

É quase sempre imperceptível, mas há uma relação íntima e permanente entre a forma como respiramos e a nossa conexão com o mundo. Para além da interação referente à manutenção da vida, o modo como reagimos emocionalmente aos acontecimentos dá o ritmo, a profundidade e a duração da respiração, que por sua vez retroalimenta a sensação presente. Quando você respira não são apenas os seus pulmões que respiram, é o seu corpo inteiro se expressando ATRAVÉS da respiração, desenhando mapas para penetrar os labirintos da nossa própria mente.

Muitas culturas exploraram intensamente esse labirinto através das práticas respiratórias, em diferentes níveis de complexidade e envolvendo posicionamentos e movimentos corporais específicos. Uma postura comum, dentro das práticas orientais, é a compressão da língua contra o palato mole do céu da boca, junto com uma elevação do queixo e a coluna ereta.

As explicações para tal postura circundam ora a mitologia dos corpos ora suas estruturas. Liberar as vias aéreas, ativar chakras e glândulas que aumentam a longevidade e rejuvenescem, estimular o domínio e o contentamento de si... essas são só algumas das motivações, mas uma coisa é certa - quanto melhor posicionada a coluna e a cabeça melhor se respira, e quanto melhor se respira, maior é a sensação de bem estar que nos invade. Para além das certezas ficam as sensações, e não seria exagero dizer que o controle consciente da respiração pode invocar a calmaria ou as feras de um coração.

Numa dessas sincronicidades bonitas da vida, tive oportunidade de ler a sabedoria oriental com os olhos do ocidente e fortalecer a convicção de que estamos explorando o mesmo terreno em línguas diferentes. Ao estudar as *fáscias musculares e viscerais aprendemos que sua mobilidade sofre influência dos movimentos respiratórios e das modificações posturais.

A camada mais profunda da fáscia cervical, por exemplo, passa pela traqueia, tiroide, timo e pericárdio, e quando fazemos uma inspiração profunda, acompanhada de uma extensão do pescoço, essa fáscia se desliza com mais facilidade e atua em conexão com a fáscia do pericárdio, impactando diretamente na capacidade expansiva da caixa torácica. Já quando posicionamos a língua no céu da boca ajudamos a fáscia buco-faríngea a deslizar melhor, causando um impacto direto nas estruturas onde ela tem conexão, como a faringe, o esôfago e o estômago.

Em termos simples, o que os estudos indicam é que o posicionamento correto somado a uma respiração consciente e profunda, promove um impacto positivo na modulação de processos como hidratação e deslizamento entre os tecidos, e diminui a chance de processos desfavoráveis, como inflamação e dor. O resultado é o aumento da vitalidade e longevidade das vísceras! e como existe uma conexão entre vísceras e sistema musculoesquelético através de fáscias denominadas insercionais, o impacto pode ser ainda maior.

O pensamento é complexo, eu sei, mas a mensagem é bem direta: Se não há movimento, não há boa manutenção do corpo, e o movimento por vezes é sutil, algo que sem alarde nos modifica. Quanto mais consistente for sua prática menor a aderência dos tecidos. Imagine que pessoas com dores de pescoço recorrentes, devido ao comprometimento da fáscia cervical, por exemplo, podem modificar tal cenário com uma prática regular que une respiração e mobilidade da fáscia! Algo que os yogis com seus pranayamas, e os shaolins com o qi gong fazem há séculos.

Cada geração se move em direção ao novo, seja ele um campo inexplorado, seja um olhar renovado sobre um conhecimento ancestral, e aos que se propõe construir pontes, a potência do diálogo entre culturas é enorme. Precisamos nos atrever a experienciar a palavra integração, e praticá-la como quem sela um compromisso com o desejo de fluir, flertando com as assimetrias dos séculos, do saber, e do corpo, em prol da alegria do movimento e do destemor da expansão.

*Fáscia segundo Ida Rolf “é o órgão da postura” A fáscia é um tecido conjuntivo fibroso e elástico presente em todo o nosso corpo, da cabeça aos pés. Ela envolve músculos e vísceras, e está vinculada ao nosso aprendizado de movimento. Também conhecido como tecido conectivo, a fáscia se assemelha a uma teia de aranha quando colocada no microscópio. Ela é muito importante no nosso dia a dia, auxiliando o corpo a lidar com tensões, enquanto molda, enrijece e dá forma a nossa postura.

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